Ricardo Brajterman poderia estar nos palcos dos teatros cariocas, mas escolheu outro tablado para atuar: o da Justiça. É que, aos nove anos, um dos nomes conhecidos da advocacia cível do Rio cursou teatro no colégio Andrews, em Botafogo. Logo depois, foi para o Tablado, onde muitos dos amigos de infância, viraram grandes atores como Claudia Abreu, Selton Mello, Malu Mader e tantos outros talentos. No fim, ele decidiu cursar faculdade de Direito na PUC-RJ; anos mais tarde, reencontrou os amigos artistas e passou a assessorá-los ou defendê-los com sucesso, muitos casos, como de Luana Piovani, Preta Gil e Carolina Dieckmann. Talvez, por isso mesmo, é chamado por muitos de “Advogado das celebridades” – o que nem leva a sério!
O lado artístico de Brajterman continua, mas, por trás das lentes: vem aí uma exposição das fotos feitas na ocasião do atentado terrorista na redação do Charlie Hebdo, em Paris, quase 5000 imagens. Ele, atualmente, também é assessor jurídico da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais – SBAT e Membro da Comissão de Direito Autoral, Direitos Imateriais e Entretenimento da Ordem dos Advogados do Brasil. Costuma chamar atenção das redes sociais com suas publicações autênticas e atuais, a maioria delas com temas ligados ao País e ao meu, ao seu, ao nosso Rio. Leia sua entrevista:
Como advogado, que curiosidades tem chamado mais atenção no Brasil?
A corrupção vem atrapalhando o desenvolvimento do País há muitas e muitas décadas, e, de tão praticada, passou a ser tratada como algo natural. Como essa questão nunca foi enfrentada com seriedade, todas as instituições do Poder Público – Executivo, Legislativo e Judiciário – acabaram sendo fortemente infectadas. Um dia, essa patologia deverá ser tratada de forma séria, sob pena de o Brasil jamais desenvolver-se como merece. E temos que acreditar que esse dia finalmente chegou. Então, se, por um lado, as revelações da Lava-Jato e das investigações da Polícia Federal deixaram a população perplexa e abatida, por outro, não é o momento para desesperança. Muito pelo contrário, apesar de o processo de mudança ser lento e até mesmo doloroso para a população, que não aguenta mais sofrer na pele os efeitos de tanta roubalheira, o momento é de olhar o País com otimismo, pois tudo leva a crer que finalmente a história da corrupção está sendo enfrentada de forma contundente, e a mentalidade da impunidade está sendo varrida.
Recentemente, o que mais o chocou no País, da cultura à corrupção?
Um dos maiores problemas do Brasil é a desigualdade social. Há inúmeras pessoas vivendo abaixo da linha da miséria. Diante desse quadro, é assustador olhar para os volumes desviados e pensar que os corruptos não têm limites, não pensam em parar no primeiro milhão, que já daria para viverem muito bem, por sinal. Um centavo desviado já é crime, mas a ganância é tão grande que os políticos seguem roubando até o ponto de falir o Estado. Eles estão, literalmente, tirando doentes de hospitais, crianças da escola, deixando gente morrer nas ruas e contribuindo para o aumento brutal da violência, pra comer caviar, tomar champanhe e viajar a Paris. Não é exagero dizer que são homicidas e destruidores de gerações inteiras. Não se preocupam com o Brasil em que seus netos irão viver. O corrupto é tão canalha que não tem piedade nem mesmo dos seus filhos – basta ver que muitos deles são arrastados para a bandidagem e estão presos; são induzidos a seguir a carreira política do pai ladrão, ou a estar nas empresas da família, só para dar sequência a negócios ilícitos.
Que curiosidades citaria?
Acho curioso um ex-ator de filmes pornográficos virar paladino populista da moral e dos bons costumes; que a maior cantora do momento divulgue um clipe levando tapinhas na bunda e as feministas dizerem que se trata de ‘empoderamento’, e não de objetificação da mulher; que tenhamos delegados que prendem uma menina infratora de 15 anos numa cela masculina; que governantes gastem milhões com publicidade daquilo que não fizeram, enquanto servidores não recebem salários em dia; que um magistrado não se julgue impedido para julgar aqueles de quem foi padrinho de casamento; que um governador, sozinho, roube bilhões, quebre um Estado inteiro, e o Ministério Público Estadual fique inerte, só arquivando substanciosas denúncias feitas na época do assalto – nesse ponto, devemos aplaudir o Ministério Público Federal. Os prefeitos governam exclusivamente para os que são da sua religião; a ministra do Trabalho não respeita as leis trabalhistas; o apresentador âncora de telejornal, com mestrado e doutorado no exterior, é racista; um ministro do STF põe o terror para cima dos seus colegas, sempre agressivo, e só um se indigna; é curioso que um ministro do STF visite inúmeras vezes, fora do expediente e de forma privada, o Presidente da República investigado; o deputado federal mais votado é um palhaço; o maior crime ambiental da Samarco fique esquecido e ninguém é indenizado; a maior Petrobras indeniza os estrangeiros, mas não se importa com os nacionais que investiram seu FGTS nas suas ações; vigas mastodônticas da perimetral somem magicamente; processos ficam paralisados anos e anos com pedidos de vista, quando a questão já foi decidida por maioria; enfim, a lista de curiosidades é extensa diante de um Brasil com tantas contradições e um povo maravilhoso.
Quais dos governantes você gostaria de ver atrás das grades? Por quê?
Ficar atrás das grades, a meu ver, não é a pena mais eficaz para o corrupto. Eles vão presos, mas, ao saírem da prisão, ainda têm volumosa fortuna e bens para 10 gerações. Acredito que, para o corrupto, além da prisão, a pena deveria ser sentida fortemente no bolso. A prisão domiciliar é prêmio para esse tipo de gente, que tem casa de campo e casa de praia muito bem equipadas e com inúmeros empregados. Por outro lado, é interessante observar que a pena privativa de liberdade, além de tirar o criminoso do convivo social, e puni-lo pelo ilícito que cometeu, tem por finalidade a sua ressocialização. Causa espanto o fato de que, diferentemente do ladrão de galinha, que não teve escolaridade e boa formação cultural, os políticos, ao contrário da grande maioria dos presos brasileiros, tiveram boa educação, acesso à cultura, formação religiosa, visitaram países desenvolvidos, onde, por sinal, escondem o dinheiro desviado; por isso, deveriam ter uma formação ética e moral acima da média.
Que mensagem mandaria ao prefeito Crivella?
Inicialmente, para a mensagem chegar ao prefeito Crivella, temos que encontrá-lo, mas ele vive viajando e, quando está no Rio, sua agenda não é compartilhada com a população. Superada a difícil missão de encontrar o prefeito, diria para ele que o homem público, sobretudo o que ocupa o executivo, não tem sexo, religião, idade ou cor. Ou seja, seu compromisso é com todos. A população brasileira, e por consequência, a carioca, é formada pelo multiculturalismo, pelo plural, pelo sincretismo religioso. Se o prefeito, por questões de ordem pessoal, ou comprometimento com os negócios da família, não consegue superar suas barreiras internas, de ordens emocional, psíquica e religiosa, estando apto para governar para todos, deveria ter humildade e reconhecer que esse projeto, de ser homem público, não serve para ele. Com dignidade, ele desistiria da carreira política e voltaria a desempenhar suas atividades na Igreja Universal do Reino de Deus, onde se sente à vontade. O prefeito deve sentir-se à vontade e despido de preconceito para dialogar com gays, carnavalescos, candomblecistas, artistas, mas não é isso o que está ocorrendo. Ele administra e, mesmo assim, de forma ruim, somente para os seus.
Ofensas, racismo, preconceito, mensagens de ódio, discriminação – esses assuntos deveriam ser tratados em pleno século XXI?
Depois de muita luta, conquistamos uma Constituição que garante liberdade de expressão, de manifestação de opinião, liberdade de imprensa, possibilidade de crítica. Com isso, é claro que surgem alguns exageros, destacadamente nas redes sociais, e o que seria um comentário permitido dentro dos limites do tolerável acaba virando uma ofensa. Os discursos de ódio devem e estão sendo fortemente combatidos pelo Judiciário, de forma exemplar, que é quem tem o termômetro de definir quando a liberdade de expressão foi, na verdade, utilizada com o intuito de ofender, magoar, atacar, difamar, maldizer alguém ou algum seguimento da sociedade. Aumentaram muito os casos em que atuo onde é pedida a reparação por danos morais decorrentes de ofensas na Internet ou em grupos de WhatsApp.
Como carioca, que mais o revolta com a crise do estado?
Muita coisa me revolta, mas um ponto deve ser destacado, porque o Ministério Público do Rio não fez nada contra o Cabral e deixou as coisas chegarem a esse estado? A sangria só parou, se é que podemos dizer que já estancou, quando já era tarde de mais, graças à firme atuação do Ministério Público Federal.
E sua relação com a fotografia, como anda?
Tenho uma relação muito próxima com o teatro, que comecei a estudar no Colégio Andrews aos 9 anos. Aos 17, no ano do vestibular, fiz a iluminação do espetáculo “Confissões de Adolescente”. Foi ali que me apaixonei pela grafia com a luz. Mesmo durante e depois da faculdade de Direito, do mestrado em Direito Constitucional, eu nunca deixei de frequentar o teatro, de fazer cursos de fotografia, de visitar exposições de arte, de me relacionar com amigos que, mais tarde, viraram grandes artistas. Hoje, para relaxar da intensa atividade no escritório, que divido dando aulas na PUC- Rio, vou ao teatro fazer fotos de cena. Tenho um arquivo fotográfico de 20 anos, com peças teatrais; um dia gostaria de publicar, juntamente com outros fotógrafos de cena, como o mestre Guga Melgar. Também costumo fazer viagens com o objetivo de fotografar Streetphotography. Sou muito fã de Henry Cartier Bresson, por exemplo. Tive a sorte de estar em Paris no dia da maior manifestação recente da sua história, por ocasião do atentado terrorista na redação do Charlie Hebdo, e fiz umas 5.000 fotos, que vão virar uma exposição a convite do Marcello Oliveira, presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro – CAARJ, com quem também planejo fazer um concurso de fotografias sobre liberdade de expressão e direitos humanos.
O fato de ser chamado de “advogado das celebridades” o incomoda?
Acho engraçado, mas não levo a sério. Advogo para muitos artistas, amigos de infância, e também porque gosto de arte e de frequentar o teatro, momento em que sou obrigado a desligar o celular. Mas minha militância na advocacia é muito mais focada para direito empresarial, resolução de litígios, arbitragem, processo civil, imobiliário, responsabilidade civil, sucessões, trabalhista, desempenhada no Candido de Oliveira Advogados, um dos mais antigos e tradicionais escritórios do Brasil, fundado há 126 anos, em 1891.