Voz das mais versáteis e bonitas que já surgiram no país – a tessitura de contratenor vem explorando do rock ao samba, passando por Villa-Lobos – Ney Matogrosso vai ser o homenageado da 28ª edição do Prêmio da Música Brasileira (que se mantém em alta, pelas mãos e esforço do Zé Maurício Machline), dia 19 de julho no Theatro Municipal. O cantor, que também é iluminador, diretor e ator de cinema chega a incríveis 50 anos de carreira com um talento físico inacreditável: músculos em dia, barriga negativa, bunda perfeita, perna em elevado conceito e assim vai. A coerência também é outra marca de Ney, que, sem participar de nenhuma campanha, fez muito pela mudança de pensamento no país sobre a sexualidade , só por ser quem é.
Com o show “Atento aos Sinais ” desde 2013, Ney não para de se envolver com outros projetos, se renovando e injetando vigor na MPB. Ele e a Nação Zumbi se apresentam dia 22 de setembro no Palco Sunset cantando o repertório do “Secos e Molhados”, uma das atrações nacionais mais aguardadas do Rock in Rio. Outra vantagem de entrevistas com ele? É absolutamente sincero, verdadeiro, espontâneo, ou seja, fala o que pensa (ao contrário de muitos, se é que vocês me entendem).
Foto: Marcelo Faustini
Ney, como espera que seja a homenagem que o Prêmio da Música Brasileira vai prestar a você em julho? Teria algo a adiantar para os seus fãs sobre a festa? Vai fazer muitos duetos?
“Não vou ter dueto. Canto uma música na abertura; no final, mais três ou quatro pra encerrar. Não canto com ninguém”.
Estamos passando por um dos momentos mais complicados do Rio, política e artisticamente falando. Essa atmosfera meio deprê e limitante te afeta?
“Claro que essa situação me deixa insatisfeito com tudo o que está acontecendo. Realmente, não se pode confiar nos políticos. Tem é que mudar o sistema todo – é hora de transformação. Não pode mais ser feito o que se faz em nome da política”.
E a Lava-Jato?
“A Lava-Jato levantou a lama, essa que a gente sempre soube que existia; mas, às vezes, a operação parece ameaçada. A Lava-Jato é um anseio de limpeza do povo brasileiro”.
Você já chegou a se lamentar, alguma vez, de ter nascido no Brasil?
“Jamais me lamentei de ter nascido no Brasil. Amo o Brasil desde antes dessa gentalha política toda”.
Você deu entrevistas em que falou que o sexo já não era um assunto tão importante na sua vida. O que tomou o lugar do sexo?
“Claro que o sexo é importante ainda, mas não sou escravo mais. O que tomou o lugar do sexo? Nada toma o lugar de nada, alguma coisa vai se acalmando. Não sou mais um dependente químico de sexo, como eu fui”.
O fato de não ser mais ‘jovenzinho’ afeta sua vida de que maneira?
“Não tenho saudade. A vida vai passando, está tudo na hora certa, no lugar certo. Não sou saudosista”.
E medo da morte, você tem?
“Não tenho medo da morte; já a vi tão de perto, perdi tantos amigos assim, na minha frente, com um contato muito próximo. Faz parte da nossa vida. Na minha hora, não gostaria de estar gemendo e chorando num vale de lágrimas – quero estar consciente e tranquilo de estar indo. Acham que sou apegado, mas não sou: faço esse exercício de desapego desde a adolescência. Mas não me sinto perdido de todos os que amei e que morreram – sinto uma coisa viva. Tenho aceitação com tranquilidade”.
Nunca desejou ter uma companhia fixa, um relacionamento duradouro, como as pessoas romanticamente gostam de idealizar?
“Relacionamento de viver junto? Não quero morar com ninguém. Já vivi isso, e não é o que eu mais gosto”.
numero: 9 O poliamor, relacionamento a três, começa a ser falado no país. É um arranjo que você já experimentou?
“Já vivi isso também, e não é satisfatório pra mim: me provoca uma coisa que não é equilibrada. Acho que é porque sempre há uma tendência de se voltar mais para um do que para o outro, e gera desconforto. No meu entendimento, amar duas pessoas é possível, mas ser apaixonado por duas pessoas, não consigo entender”.
numero: 10 Nos seus trabalhos, há sempre uma troca com jovens talentos. Você tem algum método para se atualizar sobre os novos artistas?
“Método, não tenho; vou pela intuição. A intuição é o que me rege na vida. A troca de que eu necessito é com a plateia: se ela me oferece isso, se o público estabelece uma relação, aí se fecha um círculo e eu vou à loucura. É um estímulo tão forte que eu não meço mais nada”.
numero: 11 Aliás, o que você anda ouvindo ultimamente, de novo e de antigo?
“Tenho ouvido pouca música. Não tenho tempo, estou trabalhando muito. Só ouço no carro, quando estou dirigindo, para entender o que anda acontecendo. No meu sítio, em Saquarema, ouço músicas antigas”.
numero: 12 Você sabe tudo que diz respeito a um palco. Ainda veremos o Ney ator de teatro?
“Ator de teatro, não, mas tenho feito cinema. Fiz recentemente um, na Paraíba, com o ator e diretor Otávio Teixeira e acabei de fazer outro, em Portugal, com o roteirista e diretor Edgar Pêra”.