Não tem como não fazer a associação: é falar em Guta Stresser e lembrar da Bebel de “A Grande Família”, a moça mimada pelos pais e apaixonada pelo marido, o malandro Agostinho Carrara, na série que tanto sucesso fez na Globo até 2014. Mas a paranaense, que há anos mora no Rio, mostrou ter muito mais talento: foi a protagonista do drama “Nina”, de Heitor Dhalia, a dona de uma venda na série fantástica “Amorteamo”, da Globo, e escritora do livro infanto-juvenil “Meu pequeno coxa-branca”. Em 2017, entram em circuito três filmes feitos por Guta: “Ninguém entra, ninguém sai”, de Hsu Chien; “Polidoro”, de Tiago Arakilian; e “Bamo Nessa”, de Paulo Fontenelle.
Guta estreia, terça-feira (24/01), no Teatro dos Quatro, na Gávea, a peça “Ela é meu marido”, o segundo espetáculo teatral dos autores do site “Sensacionalista”, Nelito Fernandes e Martha Mendonça. No palco, ela e Bia Guedes vão contar a história de duas amigas decepcionadas com os homens, que resolvem virar um casal. A comédia, dirigida por Diego Molina, mostra o esforço dessas mulheres para conseguir viver sem machos em suas vidas, elas que adoram tanto o sexo masculino. Segundo os autores, “Ela é meu marido” tem o objetivo de divertir e de discutir o preconceito – mostrar que a sexualidade não é uma questão de escolha e que os problemas do casamento não são por culpa de homens ou mulheres, mas algo próprio da convivência humana.
Foto: Camilo José Vergara
A peça é muito clara em mostrar que a sexualidade não é uma escolha. Você acha que, por esse motivo, a turma LGBT pode ser grande parte do público?
“Acho que sim, é uma peça que tem muito cuidado para falar de certos assuntos ainda tabus, ainda mais hoje em dia, nessa época de politicamente correto. O humor tem essa liberdade para lidar com mais leveza com esses temas. São duas mulheres loucas por homens e, por esse ângulo, a gente podia até acabar na mira das feministas. As personagens chegaram à conclusão de que os homens só servem para sexo e, como são as melhores amigas, tentam, realmente, formar um casal. Os homens vão, certamente, se sentir envaidecidos, e vão rir de situações como a TPM dupla do casal. As mulheres vão se reconhecer na delicadeza da amizade: toda mulher tem uma confidente, aquela que dá o ombro para te consolar. Tem tudo para agradar o público hetero, também”.
As personagens Drica e Nanda têm algum momento de intimidade física no palco?
“Não vamos fazer “spoiler”! (rs) O que posso dizer é que é uma peça tranquila, para toda a família. A Drica e a Nanda vão tentar ser um casal, mas vão ver que o desejo é arraigado, não é, realmente, uma escolha – ninguém pode querer ser gay, como também ninguém pode deixar de ser gay. O importante é ser quem você é e não querer ser outra coisa. A relação não dá errado porque a culpa é do homem ou da mulher, mas porque a convivência, a rotina, são coisas complicadas.
É difícil viver sem macho no Rio ?
“Eu não sei…(rs) ai, ai! Quem está sozinho está sempre querendo estar com alguém, quem está junto se queixa de como é difícil se relacionar. Vejo nas minhas amigas mais novas muita dificuldade de ter um comprometimento, elas querem ficar mais livres. Mas sou da opinião que a mulher não precisa de macho para viver – sabe aquela história de que está mal-humorada porque está mal comida? Para mim, é lenda. Tem gente que tem muito sexo e não está feliz. A mulher conquistou um lugar bacana, tem quem optou por não casar, ter os seus horários, a sua privacidade; outras não querem ter filhos, não existe muita regra. Também tem aquela que diz não ter a menor necessidade de homem e está visivelmente arrasada. O importante é procurar estar feliz”.
Na sua carreira a comédia foi uma opção?
“Adoro fazer comédia, me divirto fazendo, mas já fiz dramas, como o filme “Nina”. É que a comédia acaba me chamando, e eu vou! Não sei como dizer isso sem parecer antipático, mas, normalmente, o comediante tem mais ferramentas, pode fazer o público rir e se emocionar. Mas eu tenho, sim, um lado clown, uma palhaça bem forte dentro de mim”.
O que você acha da qualidade dos textos de humor no Brasil?
“Estão num nível ótimo, o “Tá no Ar” e o “Zorra”, na TV, e o “Sensacionalista”, na internet, são bem especiais. No teatro, teve um boom de stand ups, uma nova safra de atores que são também roteiristas, como é o caso da Bia Guedes e do Diego Molina, diretor da peça. O Brasil está super rico nessa matéria, de dez anos para cá surgiram várias vertentes também na internet, depois do “Porta dos Fundos”. Isso sem falar que temos uma tradição de humor bem antiga, pessoas como Chico Anysio e Mazzaropi. O bom, também, é que essa galera bem jovem, adolescente, que sai de casa para ir ao Buraco da Lacraia ou ver um “Zenas Emprovisadas” é uma plateia em formação.
Você acha que a carioca que não está dentro de determinados padrões estéticos tem sua vida afetiva prejudicada por causa disso?
“Eu, que sou curitibana, posso dizer que é uma cidade muito cruel, nesse ponto. Quando vim morar aqui tinha a impressão, na praia, de que todo mundo tinha corpão, menos eu. Ensaiando para essa peça, a gente via do outro lado da rua uma academia piscando, que parecia o melhor lugar para se estar. Com os anos, adquiri o hábito de frequentar a academia, mas pelo lado da saúde. Percebi que as cariocas que não jogam altinho, que não têm marquinha de biquíni, que não são “a gata” da praia desenvolvem outras qualidades, sabem tudo de política ou se vestem de um jeito que ninguém se veste. Tem que relaxar, não dá para competir!(rs): na cidade tem o Pão de Açúcar, o Corcovado e essas meninas, que fazem parte da beleza natural”.