Frei Betto estudou Jornalismo, Antropologia, Filosofia e Teologia e tem mais de 60 livros publicados – deles saíram dois prêmios Jabuti, além de outros pela defesa dos Direitos Humanos. No passado, foi preso durante o regime militar e cumpriu quatro anos de prisão. Foi coordenador de mobilização social do Programa Fome Zero, do primeiro governo Lula, mas se afastou do governo, decepcionado com os rumos políticos do PT. Frei Betto acaba de chegar de Cuba, onde participou do velório de Fidel Castro, que morreu na sexta-feira (25/11), aos 90 anos de idade. Nesta quarta-feira (30/11), as cinzas do dirigente cubano foram levadas de Havana num comboio que vai passar por várias cidades, até seu enterro definitivo no domingo (04/12), em Santiago de Cuba.
Frei Betto e Fidel se tornaram amigos em 1985, quando o mineiro fez um entrevista com o líder político. O encontro durou quatro dias, com 23 horas de gravações que resultaram no livro “Fidel e a Religião”, relançado em julho deste ano, um sucesso editorial publicado em 32 países e 20 idiomas.
Para o brasileiro, Fidel, que foi criado no catolicismo e se tornou ateu, era cristão na prática, por ter dado comida a quem tem fome, água a quem tem sede e saúde a quem tem doença.
Foto: Cristina Gallo/Fotoarena
O que significa a morte do Fidel Castro para todos? E o que significa para um amigo ?
“Com Fidel morre o último grande líder político do século XX, capaz de aglutinar as forças progressistas. Agora, no século XXI que se inicia, nos resta o Papa Francisco. Estive com Fidel pela última vez na casa dele, em Havana, a 13 de agosto, quando comemorou 90 anos. Estava inteiramente lúcido, embora com o organismo debilitado. Para mim é a perda de um grande amigo e, sobretudo, amigos dos oprimidos do mundo. Agradeço a Deus o dom da vida dele.
Que principal herança o Fidel deixa? E lembrança?
“A herança de que as utopias não são em vão. Os sonhos libertários podem, sim, se fazer realidade. Basta ousar”.
O que vai ser de Cuba agora?
“Fidel libertou Cuba da condição de prostíbulo e cassino do Caribe para se tornar uma nação na qual todo o mundo presta atenção, mesmo os que são críticos à Revolução. Cuba prosseguirá aprimorando seu socialismo, que assegura a toda a população, de 11 milhões, os três direitos humanos fundamentais: alimentação, saúde e educação”.
A morte de Fidel é o assunto mais comentado nas redes sociais para o bem e para o mal, digamos assim; qual é sua opinião sobre isso?
“Jamais alguém pôde ser indiferente a Fidel. Homens da estatura moral e política como a dele suscitam admiração e inveja”.
O que é Raúl Castro sem Fidel?
“Raúl sentirá muito a falta do irmão mais velho, com quem conviveu no exílio no México, na travessia do Granma, na guerrilha de Sierra Maestra e na construção do socialismo em Cuba. Depois que Fidel se afastou do governo, Raúl sempre o consultava quanto aos temas mais importantes. Posso dizer que, agora, Raúl está órfão do próprio irmão…”
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Alguma lembrança especial no seu coração?
“Sim, Fidel adorava chocolates amargos brasileiros, castanha da Amazônia e livros que tratam de cosmologia e astrofísica. Sempre que eu viajava a Cuba levava esses presentes na mala. Um dia perguntei o que seria da Revolução quando ele desaparecesse. Me disse: “Ela prosseguirá, pois não fui eu quem a fez sozinho. Foi o povo de Cuba, capaz de dar andamento à sua obra libertadora.”