O carioca do Itanhangá Rafael Costa e Silva, o Rafa, abriu há dois anos e meio seu restaurante Lasai e, desde então, não para de receber prêmios. Formado pelo The Culinary Institute of America, em Nova York, Rafa foi, por cinco anos, o braço-direito de Andoni Luiz Aduriz, chef do Mugaritz, no País Basco, restaurante que há nove anos figura entre os 50 melhores do mundo pela revista britânica “Restaurant”.
Este ano, aliás, o Lasai ficou em 64º pela mesma publicação e foi um dos três restaurantes cariocas a entrarem para a lista dos 50 Melhores Restaurantes Latino-Americanos, na 18ª posição. A casa também manteve, este ano, sua estrela Michelin, conquistada no ano anterior, isso sem falar nos prêmios nacionais.
Pela primeira vez desde que abriu seu restaurante, o chef está tanto tempo longe: foi participar como único brasileiro convidado do Millesime, maior evento gastronômico do México, dia 22, recebeu o prêmio latino dia 26 e, de lá, emendou com uma caçada na Escócia e vai, por esses dias, para a Inglaterra, onde fará dois jantares. Sua mulher, a texana Malena Cardiel, ficou no Rio: ela é maître do restaurante do casal. Rafa volta à cidade carioca só na terça-feira (11/10), para a rotina que adora: cozinhar, cozinhar e cozinhar.
Foto: Tomás Rangel
Seu restaurante só tem dois anos, mas já conquistou uma estrela Michelin e duas inclusões entre os 50 melhores restaurantes latino-americanos. Esses prêmios pesam como responsabilidade?
“O que aconteceu com o Lasai não é natural, foi uma coisa totalmente fora da curva. Sinceramente, a gente não esperava. Abrimos e, quatro meses depois, dois caras da Michelin jantaram, pagaram a conta e só depois é que se identificaram. A gente não trabalha para conquistar prêmios, não temos o pensamento de ‘vamos fazer isso bem para conseguir esse destaque’, essa responsabilidade não quero ter. Não temos pressa, quero fazer uma coisa consistente, que as pessoas venham, se divirtam. É muito importante, também, que o salão trabalhe harmonicamente com a cozinha, nós ficamos lá dentro sem saber se o cliente está fazendo uma cara boa ou feia, são eles que passam a emoção do cliente para a gente, são os nossos olhos. No mais, quero trabalhar, trabalhar, ficar o máximo de tempo possível no restaurante”.
Você pretende manter seu restaurante funcionando só com reservas – é daqueles que não mexem em time que está ganhando? Não pensa em fazer uma versão mais comercial ou popular?
“A intenção é continuar com o Lasai como está, mas temos planos de fazer outras coisas – só não vai ser para breve! Tenho ideia de abrir uma casa mais informal ainda que o Lasai, que já é um lugar que, se você quiser, pode vir de bermuda, de chinelo. Quero fazer um menu mais fácil de comer, mais barato, que mais pessoas tenham acesso. Minha vontade é remunerar melhor a minha equipe, mas, no momento, o custo da folha de pagamentos é bastante alto – tenho 30 funcionários, incluindo o motorista, o funcionário do escritório, o pessoal da limpeza. Sei perfeitamente que, com o meu restaurante, não vou ficar rico! Atendo apenas 38 pessoas por noite, é só fazer uma matemática rápida. A intenção é alcançar mais pessoas e manter o Lasai como nosso projeto de vida, nosso sonho”.
Já teve algum cliente com restrição alimentar ou difícil de agradar que te tirou do sério? Qual é a sua estratégia, nesse caso?
“Sempre atendemos alguém com restrição alimentar, seja a glúten, lácteos etc. Veganos não são problema, porque temos bastante verduras. O público carioca não é muito diferente do público europeu, quando comecei a trabalhar na Espanha também me falaram ‘Você vai ver, o público daqui é muito chato’, o mesmo que ouvi no Rio.
Nunca tivemos um escândalo, uma pessoa que se levantou por algum problema, acredito que pelo motivo de explicarmos ao máximo o que está sendo servido, o porquê de não termos um menu à la carte. Como trabalhamos só com reservas, o cliente não enfrenta fila, enquanto está aqui ele entra no nosso mundo e fica feliz e relaxado.
O que a cozinha peruana tem para estar sendo tão premiada nos últimos anos e por que os brasileiros ainda não a descobriram?
“Eles realmente estão um passo à frente, têm um apoio do governo incondicional e as tradições são muito respeitadas. Não é como no Brasil, em que, por, exemplo, se proíbe fazer doce de leite em tacho de cobre, alegando que ele oxida – o que dizer de todos os anos em que o doce foi feito desse jeito, as pessoas não sabiam limpar o tacho? Aqui a política é a da proibição, e não a da educação. Outro exemplo é o do food truck: as exigências são tantas, de estacionamento a banheiro, que tornam o negócio praticamente inviável. Aonde podemos levar o turista para comer no Rio, de típico? Sobram uns seis botequins e as churrascarias, que são um lugar deprimente, na minha opinião. Os peruanos são mais unidos, têm menos guerra de egos, os eventos gastronômicos são grandes. Os eventos brasileiros ainda são muito jabazeiros. Além do mais, gosto muito dos temperos peruanos e dos ingredientes – eles têm a maior variedade de batatas do mundo. Pouco a pouco, o mundo está descobrindo a culinária peruana”.
Trabalhar em cozinha é uma atividade muito desgastante. Você já pensou em jogar tudo pro alto?
“Penso todos os dias! (rs) Mas gosto muito do que faço e tem muitas famílias, muitos fornecedores, que dependem do meu trabalho. É mais na hora do estresse que penso assim, mas também não sei fazer outra coisa. Se não fosse cozinheiro, seria caminhoneiro – gosto de ficar no meu canto, sem ter de lidar muito com gente. Sou de uma família de advogados, fui o único que me salvei! Enquanto eles estão trancados no escritório, estou tranquilo cozinhando ou fazendo reuniões de short e chinelo”.
Ainda é muito comum encontrar alunos de gastronomia que acham que a vida de um chef é só glamour? O que você diria para quem começa a estudar gastronomia no Brasil?
“É o que mais tem e a maioria desiste muito rápido da profissão. O que eu aconselho é fazer como é exigido numa universidade de gastronomia de Nova York, que pede que os alunos façam seis meses de estágio num restaurante antes de começar os estudos. Todas as universidades daqui deveriam fazer isso, mas a massa quer faturar…”
Depois do sexo, a gastronomia é tida como o segundo maior prazer. Você concorda com isso? O que mais gosta de fazer quando não está trabalhando?
“Sim, concordo! (rs) Quando não estou no restaurante, gosto muito de comer, mas em casa cozinho muito pouco, minha mulher, Malena Cardiel, que é formada em Gastronomia, é quem cozinha, e bem. Além disso, é bom ficar com a família, estar entre amigos, mas o trabalho, para mim, me dá muita satisfação. Se você tiver tempo e dinheiro, a gastronomia pode ser muito prazerosa”.