Permaneci insone, deitada na cama, perdida nos pensamentos escuros que a noite trouxera. Pela manhã, desabaria mais uma vez o meu mundo familiar e seguro, com a chegada do caminhão de mudança – o barulho das ondas do mar ressoava como palmadas de castigo pela minha atitude radical de rejeição ao mundo civilizado.
À luz laranja dos primeiros raios de sol, pulei da cama e passeei pela casa com a despedida no olhar pousando na paisagem conhecida… O mar me devolveu o olhar zangado e afrontosamente desviou a atenção para os primeiros pescadores, que chegavam ainda sonolentos e vagarosos, me ignorando propositadamente.
Em poucas horas de intensa movimentação, meu mundo ficou fechado dentro de um caminhão desconhecido. E assim é sempre. Abrimos e fechamos nossos mundos passageiros, muitos pensando que são imortais ou eternos. “Pronto. Está feito!” Cheguei animada pela novidade ao isolamento do pico da montanha, em que apenas um pequeno saci vivia em segurança em sua toca: meu único vizinho. Os primeiros dias transcorreram na ocupação de remontar o meu mundo, os meus brinquedos, a minha vida.
O pequeno beija-flor foi a minha primeira visita. ‘Olá, pode chegar…”, falou apressado, rodopiando pela sala curioso, os olhos arregalados examinando tudo. “Não posso demorar”, continuou rodopiando inquieto, “ainda tenho muitas flores para cheirar me esperando”, e saiu tão rápido quanto havia entrado, sem esperar sequer uma resposta. “Menos mal”, pensei, “vim morar no lugar onde os pássaros habitam”.
A luz laranja do sol da manhã seguinte foi iluminando a vastidão do vale à minha frente, descobrindo a cada minuto novas faces dos montes que espreguiçavam em verdes bocejos, descortinando ao longe os picos agudos da cordilheira, mãe majestosa e distante, e finalmente bateu na minha porta, surpreendido pelo encontro inesperado: “Ué… O que está fazendo aqui? O seu lugar não é em frente ao mar sem fim?” “Era”, respondi, amistosa e aquecida. “Trouxe o meu mundo dentro de um caminhão para cá”.
Curiosos, alguns raios mexeriqueiros penetraram entre as pilhas de livros e caixas esparramados pelo chão… “É… Realmente o seu mundo caiu!”. “Mas eu vou remontá-lo”, respondi, um pouco mal-humorada. “Porém fique à vontade, vou precisar de você iluminando a minha vida”. “Eu… estarei sempre por aqui, embora às vezes me esconda entre as nuvens para descansar um pouco. Mas, isso também passará e eu volto. Sempre volto”.