Perguntada sobre o que achava do ator Antonio Fagundes, uma adolescente da Barra respondeu: “Ah, ele é phoda!”. A mesma pergunta foi feita a uma professora, mais de meio século vivido no Leblon: “Fagundes é o mais charmoso, para qualquer idade, e um excelente ator, discreto, antiexibicionista, e tem uma voz maravilhosa. É um artista completo,”. Uma estudante da PUC disse: “É talentoso, impõe respeito e, ao mesmo tempo, é sexy.” E, assim foi, com outras tantas – as respostas que mais se repetiam eram nesse gênero.
Fagundes é carioca, mas mudou-se ainda criança para São Paulo. Descobriu o amor pelo teatro a partir da montagem de peças que fazia no Colégio Rio Branco, onde estudou. Fez muito sucesso nas inúmeras novelas, desde “Saramandaia”, em 1976, até atualmente, em “Velho Chico” (criticado por uns, elogiado por outros, acha, sem hesitação, que o seu coronel está refletindo esse Brasil). Foi também protagonista da série “Carga Pesada”, de 1979 a 1981, e em sua segunda versão de 2003. Trabalha na Rede Globo há algumas décadas: quase a sua vida profissional inteira. A fama de pontual corre o Brasil de ponta a ponta, o que ele explica muito bem a razão (leia abaixo).
AF tem quatro filhos: um deles (Bruno Fagundes, também grande ator), com a ex-mulher Mara Carvalho; os outros três (Dinah Abujamra Fagundes, Antônio Fagundes Neto e Diana Abujamra Fagundes), do casamento de 15 anos com Clarisse Abujamra. Agora, segue muito bem casado com a também atriz Alexandra Martins. Leia a entrevista desse grande nome das artes brasileiras:
Fazer novelas com inspiração regional, como é o caso de “Velho Chico” e de “Gabriela”, dá a vc um prazer a mais? Qual é a sua conexão com a cultura brasileira do interior”?
“O que eu fiz na TV até agora foi muito pouco dessa cultura; fiz muito mais novela urbana do que qualquer outra. Se você pegar tudo que eu fiz em 40 anos e pesquisar um pouquinho…. se eu pudesse fazer um alienígena, eu também faria. Posso compor personagens, daquilo que sou afastado; aí fico mais próximo de mim. Os urbanos se aproximam mais daquilo que eu poderia ser, daquilo que as pessoas veem mais. O americano, o europeu não têm pudor: fazem vampiro, astronauta, cauboy… Transitam por uma série de universos, ninguém cobra – eles estão fazendo personagens. Estamos a serviço de histórias. O único país do mundo onde falam em “interpretar”, com esse peso, é o nosso. Fora daqui, é sempre um jogo. Pega a década de 40: eles ainda brincavam, era o começo da teatro no Brasil”.
Sobre a caracterização como o coronel Afrânio: ela o incomoda? A peruca lhe causou muita estranheza?
“Estranheza a mim? Ao contrário: querem é ver o ator, e não o personagem. O Afrânio é um desenho da história do Brasil. Quando a gente vê esses deputados – como foi no dia 17 de abril (data da votação do impeachment de Dilma Rousseff), até porque a grande maioria é de suplentes, todos com cabelo acaju, falando errado, com gravatas coloridas e se posicionando numa forma patética -, como é que eu posso não achar que o coronel não está refletindo esse Brasil? Pega essa roupa do Afrânio e coloca no Eduardo Cunha e veja se destoa”.
Sua imagem sempre foi ligada a um homem sedutor. Como vc está lidando com isso através dos anos?
“”Se vc olhar pra mim com essa novela, você faria ainda essa pergunta? Lido tão bem que sou capaz de não ligar pra isso. Minha vaidade é a vaidade do personagem. O público se apega a pequenos detalhes que não são tão importantes. Faltam mais de 100 capítulos – a história não foi contada ainda. Isso seria o mesmo que dizer sobre Cyrano de Bergerac: ‘Não gosto desse nariz grande’, ou para o Corcunda de Notre Dame: ‘Dá pra tirar essa corcunda?’. Como te disse, se não parar pra ver a história, vai se apegar a detalhes que não são tão interessantes”.
Vc é conhecido por exigir pontualidade máxima do seu público no teatro. E com as mulheres, vc costuma ter paciência para esperar, por exemplo, mulher se arrumando pra sair?
“Roland Barthes, semiólogo francês, diz que fazer esperar é uma prerrogativa do poder, ou seja, você que faz alguém esperar se sente poderoso. Eu não tenho esse poder, não quero fazer ninguém esperar. Por que alguém deveria exercer poder sobre mim? Então sou gentil não fazendo ninguém esperar, como eu gostaria de não ter que esperar por ninguém. Quando eu começo uma peça na hora, não estou desrespeitando os 10 que chegaram atrasados – estou respeitando os 700 que chegaram na hora”.
Sua carreira no teatro incluiu peças dos mais variados gêneros, das clássicas às experimentais. Vc fez muito uso da Lei Rouanet para conseguir montá-las? O que acha da política cultural do atual governo? A Cultura precisa mesmo de um ministério?
“Tenho 50 anos de teatro. Usei três vezes a Lei Rouanet, já faz mais de 10 anos. Acho que a minha verdadeira conquista no teatro implica o público pagar diretamente pelo que ele está vendo. Foi lá e botou o dinheiro na bilheteria – foi ele quem escolheu.”
Vc já declarou que a fama o incomoda. O que lhe causa mais mal-estar em ser conhecido?
“Foi uma deturpação de quem ouviu errado. Eu persigo a fama – a fama vai fazer com que as pessoas prestem atenção ao que eu estou fazendo. A fama deve ser o resultado de um trabalho – quanto mais famoso eu for, mais pessoas vão me ver no teatro. Ninguém faz nada pra errar. Pode até errar, mas não fez pra isso; certamente se empenhou pra agradar, pra dar certo. O que acontece é que todo mundo quer ser famoso. Se tirar a roupa na Avenida Paulista vai ficar famosa, mas, no dia seguinte, a gente não sabe o que vai ser”.
Você está dizendo que a fama é proporcional ao sucesso?
“A fama está relacionada ao sucesso. Infelizmente, a gente está vivendo uma época em que temos de explicar muito direitinho o que as coisas querem dizer, por que a Internet, como diz o Umberto Eco, deu voz aos tolos.” Nota da redação: Eco disse que as redes sociais deram voz aos imbecis – o Fagundes deu uma amenizada)”.
O que vc tenta passar para o Bruno, seu filho, sobre a carreira de ator? Faria alguma coisa diferente se pudesse?
“Tenho uma frase: a experiência não se transfere. Se funciona, foi através do DNA, pela educação e pelo ambiente em que a pessoa conseguiu criar os filhos”.
Pela repetição, parece que você gosta de trabalhar com Luiz Fernando Carvalho e Benedito Ruy Barbosa!
“É o meu sétimo trabalho com o Benedito e o sexto, com o Luiz Fernando; com os dois juntos, foram cinco. É uma parceria que me envaidece, agradeço muito de poder participar desse trio. Tenho também a certeza de que, embora tenham a tendência de me agrupar nos rótulos de novelas rurais, se pararem pra pensar, vão descobrir um universo completamente diferente de uma novela pra outra – uma diversidade do tamanho do Brasil”.
O Brasil está bom?
“O Brasil ainda não começou”.
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