Era o ano de 1949 e Nelson Rodrigues estava precisando de dinheiro. O jornalista teve, então, a ideia de escrever crônicas no jornal carioca “O Correio da Manhã”, assinando como Myrna e respondendo a consultas sentimentais enviadas por leitores – histórias criadas na sua imaginação. Baseado nesses textos de Nelson, o diretor Elias Andreato escreveu um monólogo, transformando o personagem feminino numa conselheira de programa de rádio. A peça “Myrna sou eu – consultório sentimental de Nelson Rodrigues”, estreia quarta-feira (06/04) no Teatro Poeira, depois de três anos percorrendo São Paulo.
O ator Nilton Bicudo acha que essa foi a maneira do escritor exercitar seus lados feminino e masculino com mais liberdade. Ele acredita que o dramaturgo era intensamente romântico. “Quando Nelson diz que a mulher normal pode amar dois, três, quatro homens ao mesmo tempo, ele se refere a um lado mais espiritual da mulher, da capacidade de amar o pai, o irmão, o marido, todos profundamente”. Nilton também tem uma interpretação bem própria da conhecida frase rodrigueana “Nem toda mulher gosta de apanhar, só as normais”. “Entendo esse apanhar no sentido figurado, como o amor difícil, aquele que faz sofrer”, acrescenta o ator.
A peça tem conselhos para casadas, desquitadas, solteiras, viúvas, feias e bonitas, mas os homens estão presentes o tempo todo no contexto. “O público masculino se sente especialmente vingado quando, no final, a Myrna diz: ‘Os homens mentiriam menos se as mulheres fizessem menos perguntas’”, conta Bicudo. “A peça chega num momento bom. São conselhos dados há quase 70 anos por um gênio, sobre solidão e amor”, conclui o artista paulista.