Pois é. Você não quer ver o Brasileirão, ou desistiu da novela, está aborrecido com a Lava-Jato, está arrancando os cabelos com a crise… Foi obrigado a adiar a viagem a Miami. É hora de deixar tudo para trás e começar a dar enormes gargalhadas. “Acabou o pó”, de Daniel Porto, é um mergulho no cotidiano do Brasil real – um texto que ultrapassa os clichês, as paródias, as receitas de comédia; um texto que faz rir (e muito e muito), mas que nos coloca frente a frente com a mediocridade da vida comum.
“Acabou o pó” já nos provoca desde a primeira cena: um homem, vestido para lá de desleixado, polindo as unhas. Ouve-se outra voz masculina, com um sotaque feminino e, quando você acha que lá vem um texto gay, acontece o primeiro e excelente impacto. Os atores Leo Campos e Alexandre Lino interpretam duas mulheres, Naná e Kelly, essas com quem encontramos no metrô, em nossos trabalhos, em nossas casas e com quem só trocamos palavras formais.
O autor Daniel Porto demonstra uma perícia incomum na manipulação das palavras, na criação de situações, no jogo dramatúrgico mesmo. Com apenas 22 anos, ele mesmo diz: “Aprendi muito através da observação da minha família, das famílias de meus amigos”; ou seja, um voyeur privilegiado que nos traduz à perfeição o que vê.
É uma história sobre mulheres: traídas, renegadas, maltratadas, mulheres à margem das selfies, esquecidas de sua feminilidade. Aí entra o enorme talento de Daniel Porto: viramos o vizinho da porta ao lado, que vê pela fresta a desgraça alheia, se ri dela. Porém, quando tudo acaba, dá um tempo e entende que a piada é apenas um jeito generoso de nos fazer ver a realidade – por mais cruel que seja. É imperdível.
Serviço:
Teatro Ipanema
Quartas às 21h