Lauro César Muniz está de volta ao time de autores da TV Globo, de onde esteve afastado por quase 10 anos. Fã das séries americanas, esse paulista de Ribeirão Preto está em constante renovação no trabalho: caso retome a autoria de novelas, Lauro defende a redução do número de capítulos para, no máximo, 150, e também a diminuição do número de autores e diretores.
Não se sabe, ainda, se a emissora vai bancar sua proposta, mas Lauro já arriscou bastante na casa, com tramas complexas e inovadoras, em novelas como “Escalada”, de 1975; “O Casarão”, de1976; “Espelho Mágico”, de 1977, primeira tentativa de usar a metalinguagem dentro de uma novela; “Roda de Fogo”, em 1985; “O Salvador da Pátria”, em 1989; e a minissérie ”Chiquinha Gonzaga”, em 1999, um grande sucesso de público e crítica. Com trajetória paralela como escritor de teatro, Lauro também foi pelo cinema, criando os roteiros de “Independência ou Morte”, de 1972, “A Superfêmea”, de 1972 e mais, recentemente, “As Feras”, de Walter Hugo Khouri. Não importa o veículo, Lauro sempre imprime sua marca, com tramas surpreendentes, que não subestimam a inteligência do espectador e com uma boa dose de crítica.
Em 1985 houve um beijo gay, entre os atores Ney Latorraca e Carlos Kroeber, na sua novela “Um sonho a mais”. Como você explica a rejeição atual à exposição de relacionamentos gays nas novelas? O público está mais conservador?
“O beijo de 1985 não era um beijo gay. Ney estava disfarçado de uma mulher e Kroeber não sabia disso. Para o espectador que sabia do disfarce, era um beijo entre dois homens; para o personagem do Ney, também; para o personagem do Kroeber, não era! Mas não era gay. Era um beijo necessário para o personagem do Ney manter seu disfarce de mulher. E Kroeber estava seguro de estar beijando uma linda mulher. No beijo gay não há disfarces: ambos se beijam sabendo que estão beijando pessoa do mesmo sexo.”
Você acredita que as séries americanas induziram a um novo padrão de exigência no espectador? Ficou mais difícil escrever novelas?
“São ótimas as atuais séries americanas. “Breaking Bad” vi inteira sem perder nenhum capítulo! Não era escravo do horário, porque gravo o que desejo ver. Tais séries mais estimularam os autores do que colocaram dificuldades. Aqui na nossa terra, fazemos grandes séries e grandes novelas. As melhores novelas do mundo. Não há porque ver uma série americana como padrão distante! Não! Já ouvi de uma autora americana grandes elogios aos nossos trabalhos.”
Você já arriscou muito em tramas complexas como a de “O Casarão”, “Espelho Mágico” e “O Salvador da Pátria”. Que lição tirou das produções que tiveram baixa audiência? Já cedeu alguma vez em busca de uma trama mais ao gosto do público?
“As novelas citadas por você fizeram grande sucesso junto a um público um pouco mais exigente. Eram outros tempos, as classes A e B acompanhavam fielmente as novelas e a TV Globo estimulava o risco. “Espelho Mágico” deu uma audiência abaixo do padrão da época, no horário das oito, mas “Salvador da Pátria” é até hoje a segunda maior audiência do horário em todos os tempos! A primeira é “Roque Santeiro”. “O Casarão” foi muito estimulante fazer e sentir a aceitação do público. Até hoje, 39 anos depois, trechos dessa novela são citados por telespectadores mais velhos.”
Qual ator gostaria de ver interpretando seus textos?
“Depende do personagem. Mas é sempre muito bom trabalhar com os grandes atores e atrizes do teatro brasileiro. E há grandes atores formados na televisão, jovens com muito talento! Não cito para não cometer injustiça.”
A que atribui o sucesso internacional da novela brasileira?
“Padrão de qualidade tanto dos temas, textos, como da realização. As novelas das décadas de 1970, 1980 e parte de 1990 eram muito ambiciosas, criaram a base para a exportação do gênero. É muito gostoso assistir uma novela nossa, em país estrangeiro.”
Qual a experiência mais maluca pela qual você passou escrevendo uma novela?
“Ter de terminar “O Bofe”, uma novela de Bráulio Pedroso, que ficou doente. Escrevi mais do que a metade da novela, mas antes não havia visto nenhum capítulo. Fui assessorado por atores que me explicavam seus personagens: Claudio Marzo, Renée de Vielmond e até Ziembinski.”
Como vai ser sua colaboração futura com a Globo?
“Recebi a incumbência de apresentar um projeto de novela. Estou já fascinado por um tema, que me brotou na imaginação…”