Aí começa a aparecer no Face. Você ouve aqui e acolá. Já viu “O Narrador”? É um texto baseado no texto de Walter Benjamin. É um moleque novo. Vai ver. É demais. Não perde. Está sold out, como se diz no grande país irmão. Ai você consegue. Chega lá. Uma cadeira, um boneco. Uma trilha sonora. Um jovem, frágil, quietinho, com ar matreiro como se diz em Minas. Microfone e folhas soltas.
Quando Diogo Liberano começa a ler o seu texto (isso mesmo, o texto é lido) para marcar essa possibilidade inexistente de haver um autor e um leitor, pois quando lemos viramos co-autores de qualquer e todo texto, você chega para frente e começa a ouvir a história, com o mesmo entusiasmo, atenção e emoção que ouvia sua mãe contar os Sete Anões.
A história é o rito de passagem. Mudar de cidade, novos amigos, velhos passados, as mesmas angústias que te perseguem, os mesmos impasses que se resolvem. A luz e a música te envolvem, e a voz fingidamente monocórdica desenvolve a empatia entre palco e plateia. Cai a quarta parede, desaba, desmonta, desmorona. Somos um só.
E, por isso, escolhi o próprio Diogo para mostrar como se desenvolveu esse processo.
De onde saiu a ideia de colocar em prática os conceitos do Walter Benjamim?
Diogo Liberano – Benjamin já era uma referência importante nos meus estudos. Como um dos mais importantes leitores do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, Benjamin e seus escritos inevitavelmente fizeram parte da minha trajetória de formação. No caso de “O Narrador”, foi uma questão de acaso. Estava estudando seu ensaio “O Narrador – Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”, quando fui convidado a abrir um evento de dramaturgia com um texto inédito. Como não tinha texto inédito, topei participar do evento com um texto que iria inventar e, por estar muito detido em Benjamin e no seu “O Narrador”, toda a criação acabou sendo desdobrada a partir das reflexões dele.
Como foi o processo? Demorou? O texto teve quantos tratamentos?
Conforme lido na primeira página do texto, a performance “O Narrador” foi escrita de 21 a 26 de abril de 2014, de uma segunda-feira até o início da madrugada de um sábado. No meio dessa semana, eu fiz uma interrupção de um dia (fiquei a quarta-feira sem tocar no texto). A escrita se deu de maneira rápida, porém, não pouco concentrada. Como se trata de uma composição dramatúrgica que reúne diversos tipos de narrativas já existentes (cartas e e-mails trocados, poemas e contos já escritos, relatos produzidos durante outros momentos da minha vida), durante esses poucos dias o que efetivamente realizei foi montar essa colagem, escrevendo transições de um material previamente existente a outro. O texto escrito teve dois tratamentos. A primeira impressão – e, após a primeira apresentação – alguns ajustes que moldaram um texto que permanece até hoje (inclusive impresso nas mesmas folhas).
O que tem de autobiográfico?
“O Narrador” é totalmente autobiográfico. E, mais que isso, é fruto da memória. Hoje, por realizar inúmeras apresentações, sempre que leio começo a suspeitar dos detalhes escritos porque quanto mais eu repito mais a memória vai ganhando o corpo do que era só uma lembrança. Mas eu continuo lendo o texto tal como escrito porque ele foi escrito num momento importante para mim, momento em que me permiti acessar as minhas experiências vividas e todas as alegrias e dores que isso me provocou. É uma composição que perpassa muitos anos da minha vida, anos absolutamente importantes que me tornaram quem eu sou hoje. Nesse sentido, seguindo uma qualidade trabalhada no Teatro Inominável, “O Narrador” é uma criação marcada por uma honestidade muito radical, onde o narrado é fruto da experiência vivida (e foi isso que Benjamin me provocou e me fez aceitar).
Como é ser o homem que joga nas onze?
É curioso observar como esta questão de “ocupar muitas funções” soa sempre uma coisa maior do que realmente pode ser. No caso de “O Narrador”, a criação se resumiu bastante a mim, porque de fato não havia necessidade para envolver mais criadores. No entanto, se formos olhar de perto, veremos como há mais pessoas envolvidas: além da equipe de produtores, há cinco colaboradores, fora os artistas responsáveis pela trilha sonora, pelas fotos e vídeo. Isso sem falar na presença determinante do bicho de pelúcia, o Bizonho. Eu escrevi e eu mesmo performo, porém, sem o público nada aconteceria. Creio que “O Narrador” só existirá se continuar sendo um jogo que se jogo junto e nunca sozinho.
Qual é a sua maior influência?
Minha maior influência é o desejo. É aquilo que desejo. Crio a partir das minhas intuições e desejos mais profundos. Sempre foi assim e, a cada vez mais, aguço ainda mais a minha capacidade de ouvir não só meus desejos mas como o de todos os criadores com os quais estou envolvido. Trabalho a partir do desejo para abrir e movimentar mais e mais desejos. Não sou norteado por artistas nem por obras. É muito difícil para mim encontrar uma referência, um artista que me parece modelo para alguma coisa. E isso não pode ser confundido com desinteresse meu, pelo contrário, apenas acredito que para que uma criação possa nascer, ela precise vir de um lugar ou sensação inomináveis. Por isso, o desejo. A intuição. O arrepio. Isso tudo me influencia enormemente.
Serviço
Casa da Gávea
Praça Santos Dumont, 116 – Gávea
Sextas e sábados, às 21h30; domingos, às 20h