Alguém já ouviu falar em ex-grávida? Ex-filho? Pois é. Também só existe um Nelson Rodrigues. Jornalista, frasista, cronista, dramaturgo, dono de um pensamento absolutamente único. Tão único que desvenda, sem perdão e sem qualquer hesitação, os princípios mais abjetos, os desejos mais sórdidos. “Anti-Nélson Rodrigues“, com direção de Bruce Gomlevsky, é Nelson Rodrigues “au grand complet” (na máxima força).
Com Tonico Pereira, Joaquim Lopes, Juliana Teixeira, Yasmin Gomlevsky, Rogério Freitas, Carla Cristina e Gustavo Damasceno, nos três atos transformados em um enorme plano-sequência dramatúrgico, o que vemos é uma sucessão do que sempre existiu na obra rodriguiana: a virgem desvairada, o herdeiro riquinho e inútil, a mulher massacrada e um amigo/cunhado canalha – Ah! O canalha!
“A peça, apesar da leveza, continua abrigando o retrato da sordidez humana que nunca deixa de existir na obra de Nelson, sempre universal”, aponta Gomlevsky, que, pela primeira vez, dirige uma obra do dramaturgo carioca. “E quero muito, um dia, atuar em uma peça dele”, completa.
A decadência está lá, por todos os poros e todos os cantos. No ex-jornalista interpretado de forma magnífica por Tonico Pereira, na família em choque com o castelo desabado por falta de qualquer resquício moral, nos valores de amizade, tudo está se quebrando, ruindo, apodrecendo. O que resta é mais um texto de Nélson para nos lembrar que, muitas vezes, é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos.
Serviço:
Teatro Glaucio Gil
Sexta a Segunda às 20 h