Já vai um bom tempo em que Luiz de Castro passou a infância em Oswaldo Cruz, na Zona Norte carioca, filho de pai militar e mãe evangélica. De lá pra cá ele desafiou a repressão em casa e na sociedade e, hoje, Jane Di Castro, sua versão mais completa e feliz, comemora 50 anos de carreira como artista performática e cantora.
Nessa sexta-feira (23/07), a artista transexual estreou a nova versão do musical “Passando Batom”, espetáculo com banda de quatro músicos e com muita dose de humor, com sessões neste sábado e domingo (25 e 26/07) e de 31 de julho a 2 de agosto na Sala Baden Powell, em Copacabana. Jane chamou, novamente, o mesmo diretor do show original para essa remontagem: Ney Latorraca, que está animado com a possibilidade de mostrar o talento de Jane para as novas plateias.
No repertório estão sucessos como as canções de Piaf, Beatles, Roberto e Erasmo Carlos, Marisa Monte e Raul Seixas. Entre uma música e outra, Jane, que também é dona de um salão de cabeleireiro e é síndica, há oitos anos, do Edifício Kansas, em Copacabana, vai contar muitos casos engraçados – e eles não faltam em sua vida. No lado afetivo, tudo vai bem: depois de 47 anos vivendo com Otávio Bonfim, eles formalizaram a união, ano passado, num casamento coletivo de 160 casais homoafetivos.
“Estou com a cara no gelo e o gogó todo trabalhado no gengibre e no cravo. Peço que compareçam e comprem ingressos também para a mamãe e a titia, pois sei que a terceira idade me amaaaaa!”, fala, eufórica. No mais, vamos prestigiar a “boneca”, como ela gosta de falar de si própria, que Jane merece.
UMA LOUCURA: “Ser mulher e arder de amor, desde que sou uma menina, como canta a diva Maria Bethânia. Essa música é tudo, né? Se não me engano a letra é da Marina e do Antonio Cícero ( Nota do site: os autores são esses mesmos e a música se chama “O Lado Quente do Ser”). Também adoro a parte que diz: “Eu já quis ser bailarina. São coisas que não esqueço e continuo ainda a sê-la”. Essa é a música que eu gostaria de ter composto e ainda não cantei em nenhum show. Acredita? É que acho tão linda com a Bethânia cantando, que nunca me atrevi.
UMA ROUBADA: “A pouca vergonha na política nacional. Como cidadã brasileira, tenho nojo desse fundamentalismo religioso querendo ditar regras pra toda a sociedade. E o governo, que fecha os olhos pra isso porque quer votos desses fiéis ignorantes. Tenho pavor de ver como estamos retrocedendo nesse sentido. A política é para ser feita pra todos, independente de raça, sexo e credo”.
UMA IDEIA FIXA: “Só tenho pensado por enquanto no espetáculo ‘Passando Batom’. Durmo cantando, acordo cantando todas as músicas do roteiro. Penteio até as clientes do salão cantando, atendo o telefone cantando. Tô com medo de virar uma bicha neurótica. (kkkkkkkkk!)”
UM PORRE: “Gente que não bebe. Tenho pavor. São muito chatas. Eu adoro manguaçar, seja na pérgula do Copa, que é em frente ao meu salão e a minha casa, ou seja num pé sujo de Copacabana qualquer. Até em Oswaldo Cruz, onde fui criada e ainda mora a minha irmã, eu gosto de beber. Como diz um amigo meu, vou do luxo ao lixo com a mesma categoria”.
UMA FRUSTRAÇÃO: “Não ter sido bailarina do Teatro Municipal”.
UM APAGÃO: “As bichas mais assanhadas adoram um quarto escuro. Eu não. Nasci pra brilhar. E essa palavra, quando estou em cartaz, me causa um verdadeiro pavor. Esqueça, ‘pelamor’!”
UMA SÍNDROME: “De limpeza. Tenho pavor de sujeira. Seja em casa, no salão ou no prédio, onde sou síndica, quero tudo sempre um brinco. Cuido até da higiene dos porteiros do Edifício Kansas: corto os cabelos, faço as unhas”.
UM MEDO: “Confesso que tenho medo da velhice. A juventude é linda demais. Mas, felizmente, hoje estamos envelhecendo melhor que antigamente, tirando alguns excessos de botox e caras tortas que a gente vê por aí, que chegam a assustar. Fico pensando: pode não ter uma amiga que fale, mas será que também não tem espelho em casa? (Kkkkkkk)”
UM DEFEITO: “Falar demais. Às vezes penso: era melhor ter ficado calada, mas como uma boa mulher que sou, não tenho papas na língua”.
UM DESPRAZER: “Ter que conviver com gente preconceituosa até os dias de hoje. Hellooooouuuu!!!!!!! Século XXI, ano de 2015. Não sou obrigada!”
UM INSUCESSO: “A intolerância religiosa. Jesus pregou tanto o respeito e a igualdade e vem essa gente chinfrim querer ditar uma regra que até o ‘Deus’ deles deve se envergonhar de ouvir. Viva o amor! Seja de qual forma for”.
UM IMPULSO: “Não acho legal agir sem pensar. Mas às vezes acontece, e tem situações na vida que não dão pra escapar. Quando criança, por exemplo, fui tomada pelo impulso de passar batom e nunca mais parei. (Kkkkkkk)”
UMA PARANOIA: “Querer me livrar de gente paranoica. A vida é muito curta pra viver atrás de problemas. Vamos ser felizes. É o que realmente importa”.