Toda a vez em que se quer uma opinião sensata sobre algum assunto relativo ao movimento LGBT é ao antropólogo, historiador e pesquisador Luiz Mott que se recorre. Currículo é que não falta a esse paulista radicado em Salvador desde os anos 70, considerado um dos gays mais poderosos do mundo pela revista americana Wink: ele foi o criador, em 1980, da mais antiga organização de direitos humanos em favor dos homossexuais do país, o Grupo Gay da Bahia.
Entre várias conquistas do GGB estão: a liderança, em 1985, da campanha nacional que retirou o homossexualismo da condição de desvio e transtorno sexual e o pioneirismo na prevenção da Aids. Mott já teve cargos no Ministério da Saúde e da Justiça, tem mestrado em etnologia na Sorbonne e é autor de vários livros e trabalhos, a maioria sobre a causa gay. Da época de seminarista dominicano herdou a disciplina, mas sua língua afiada faz com que suas declarações sempre gerem polêmica, como quando divulgou que Zumbi dos Palmares era gay.
Mott, no entanto, gostaria que seu trabalho fosse reconhecido por ser mais abrangente: ele diz que é o autor com mais textos no Brasil sobre a Inquisição, sobre feiras brasileiras, o comércio feito pelas negras de tabuleiro e a negrofobia no país.
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Você já se manifestou publicamente contra a representação mais caricata dos gays na TV. Qual é o limite do humor nesse caso? Não há espaço para a autocrítica mais descontraída?
“Desde Painho e o Capitão Gay a TV brasileira tem explorado à exaustão o estereótipo do ultraefeminado, tipo bibelô de dondoca, como o Crô ou o atual Théo Pereira, que provocam riso e se tornam muito populares entre mulheres e crianças, mas reforçam a ideia de que o gay é objeto de piada. Existem gays efeminados que devem ser respeitados, assim como mulheres masculinizadas; no entanto, muitos dos gays não se identificam nem são esses “palhacinhos”, e insistem cada vez mais em aparecer na TV e na mídia como cidadãos comuns – médicos, padres, professores etc. Esses personagens apresentados são um desserviço à afirmação da identidade gay contemporânea.”
Como anda o projeto de criminalização da homofobia? Você acha que as entidades que tratam da causa homossexual não estão suficientemente atuantes para atrair a atenção sobre esse projeto?
“Desde 1985 que o GGB defende a equiparação da homofobia com o crime de racismo. Não queremos privilégios: direitos iguais nem menos, nem mais. Não é absurdo e cruel que insultar ou agredir um negro seja crime inafiançável enquanto espancar uma travesti, lésbica ou gay dependa da boa vontade do policial, do delegado ou do juiz que vão se ocupar desse mesmo crime? Como a própria Presidente Dilma falou, mas não cumpriu, “homofobia é barbárie” (palavras dela), e o Brasil é o campeão de assassinatos de LGBTs – uma tentativa de homicídio a cada 27 horas, 327 mortes em 2014. Este ano já foram 55 nos dois primeiros meses de 2015. Nunca antes, na história deste país, houve uma presidente tão homofóbica quanto Dilma Rousseff – foi a única vez em que um projeto vital do movimento LGBT (PL 122) destinado à criminalização da homofobia foi vetado, assim como a divulgação do “kit gay”, que deveria ter capacitado seis milhões de estudantes, foi proibida; além, também, da proibição da campanha de prevenção da AIDS para gays no carnaval de 2013. Lastimavelmente, Dilma tem as mãos sujas do sangue de mais de mil homossexuais assassinados durante seu governo.”
A sociedade brasileira está preparada para considerar com respeito a ideia das famílias homoafetivas?
“A sociedade já está preparada para aceitar tanto a convivência de casais homoafetivos como a adoção de crianças por homossexuais. O termômetro dessa aceitação vem do STF, que aprovou por 10 a 0 o casamento gay em recente pesquisa, e de mais da metade do atual Congresso, que se mostrou favorável à criminalização da homofobia – apesar da resistência, sobretudo, dos fundamentalistas evangélicos e recentemente do próprio Exército brasileiro, que se declarou contra o reconhecimento da família homoafetiva.”