Complexo de vira-latas. Choro. Descontrole emocional. Angústia. Esses sentimentos já são velhos conhecidos nossos, ainda que só apareçam de quatro em quatro anos. O espetáculo “À Sombra das Chuteiras Imortais”, baseado nas crônicas de futebol de Nelson Rodrigues, escritas na revista Manchete Esportiva e no jornal O Globo, conta a história de Otacílio e Odete durante a Copa do Mundo de 58.
A peça, com direção e roteiro de Henrique Tavares, consegue, com enorme eficiência, resumir toda a “filosofia” de Nelson Rodrigues explorada no universo futebolístico e em sua dramaturgia. Assim, os termos “grã-fina de narinas de cadáver” e “cunhado canalha” se misturam a frases sobre futebol, como “no futebol, o pior cego é o que só vê a bola”.
Otacílio é perseguido por uma previsão de cartomante que seria traído por Odete. Esse fio condutor, básico na obra de Nelson, aqui fica mais dramático pelo desespero com os jogos do Brasil na Copa da Suécia. Com um elenco talentoso e equilibrado formado por Glaucio Gomes, Ingrid Conte, Anderson Cunha, Crica Rodrigues e Cesar Amorim, consegue o tom dos anos 50 e da angústia sem qualquer caricatura.
“Quero aludir ao que eu poderia chamar de complexo de vira-latas. A inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Na final de 50, éramos superiores aos adversários. E ainda levávamos a vantagem do empate. Mas a Seleção ganiu de humildade diante do Uruguai. Jamais foi tão evidente, eu diria mesmo, espetacular, o nosso vira-latismo. Perdemos de maneira abjeta. Os uruguaios nos trataram a pontapés, como se fôssemos vira-latas.” Sábias palavras de Nelson Rodrigues.
É dessa inferioridade frente ao futebol e à vida que trata “À Sombra das Chuteiras Imortais” . Imperdível. Com a taça ou sem a taça.
Serviço:
Teatro Glaucio Gill
De quinta a segunda: às 20h
Curta temporada, somente até 13 de julho