O mistério da Gênesis, seja do que for, desafia e encanta o homem desde sempre. Qual a nossa origem como gênero humano, qual a nossa origem como indivíduo é a pergunta que não quer calar. Em “Deslocamentos urbanos”, Ana Vitoria e Marcelo Aquino levam a plateia a esse questionamento em todos os segundos em que dura o espetáculo. Recitam pausadamente o Gênesis bíblico, questionam o processo de criação artístico e mais: movem a plateia para que pense, pense e pense.
Em um cenário extraordinário, composto por um chão de terra negra, 80 gaiolas cheias de pequenos objetos, papéis, roupas, tudo aprisionado e exposto, os dois atores e criadores do espetáculo, Ana e Marcelo, se movem no jogo dos opostos: homem e mulher, nordeste e sul (ela é baiana e ele, gaúcho) – liberdade e prisão, movimento/gesto e palavras, criador e criatura, diálogo e silêncio.
Para Ana Vitória e Marcelo Aquino, a escolha por trazer Lygia Clark e Hélio Oiticica para dialogar com “Folhas de Relva”, obra central de Whitman, está relacionada com a questão da liberdade não só na criação artística, mas também na forma de diálogo da montagem com o público. “Os dois artistas, que revolucionaram os conceitos de arte nas décadas de 1960 e 1970, tinham um olhar bastante peculiar sobre a relação entre a obra e o receptor”, diz Marcelo. “Nos inspiramos livremente em performances como a ‘Baba Antropofágica’, da Lygia, e em aspectos dos parangolés do Hélio, como a cor no espaço. Nos interessa celebrar a vida, somos corpos celebrando a vida, como disse Walt Whitman”, completa Ana Vitória.
“Deslocamentos contínuos”, um espetáculo pós-dramático na definição de Ana e Marcelo, pois dispensa o drama/ação, mostra que se deve seguir em frente. Trocar, deslocar. Assim, terminam os dois atores. Nus nos corpos e nas almas: como viemos ao mundo. Uma prova de que o que vamos vestir e sentir só depende de nossa escolha.
Serviço:
Espaço Sesc (Mezanino) – Copacabana
Quinta, sexta e sábado, às 21h.
Domingo, às 20h.