A história de Jacinta, peça estrelada por Andrea Beltrão, é a história de todos aqueles que são capazes de perseguir o sonho, não desistir nunca. Uma fábula que pode ser vista alternadamente como uma metáfora da vida do artista, mas que pode ser entendida como uma alegoria da máxima “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”.
A atriz portuguesa é uma invenção de Newton Moreno, pernambucano radicado em São Paulo e reconhecido como um dos principais dramaturgos da atualidade. No entanto, o espetáculo a que assistimos é fruto de uma parceria com o diretor e coautor, Aderbal Freire, que, assim como Moreno, é imigrante nordestino, só que vem do Ceará.
Por outro lado, Newton, Andréa e Aderbal concordaram, desde a elaboração do projeto, que a peça fosse transformada em um espetáculo musical. Para isso, antes mesmo do começo dos ensaios,Branco Mello foi incorporado à equipe de criação de Jacinta. Além de assinar a direção musical, Branco compôs as melodias, em parceria com Emerson Villani, e as letras foram escritas por Aderbal e Newton. Ao todo, foram criadas 13 canções e mais nove temas instrumentais usados na trilha incidental.
São quase duas horas nas quais vemos o drama, a desgraça, a comédia, ópera bufa, musical e um final feliz. Suspense, assassinatos, envenenamentos, ou seja, de tudo que a vida oferece. Orfandade, naufrágio, prostituição e um final feliz. Pode mais?
E, como a vida, a fidelidade e a coerência estão na forma pela qual se pretende atingir o que querem autores e a atriz. “Por mais fiel que eu queira ser, não vou ter o tipo de tecido ou de calçado da época. Então, nem prefiro buscar essa fidelidade. Fico com a neutralidade, o que, para o anacronismo, é um passo”, explica Aderbal.
O uso do sotaque português pelos atores em boa parte do espetáculo tem um quê de fidelidade e outro de recurso teatral, reforçando o tom cômico da peça. Aderbal explica que a formação de Jacinta, com uma mulher e cinco homens, é a mesma de um cambaleo, um dos oito tipos de trupe teatral que existiam no Século de Ouro espanhol, entre XVI e XVII. Na visão do diretor, é como se cinco atores de hoje encontrassem uma atriz portuguesa do século XVI e empreendessem com ela uma jornada que vai retornar aos dias atuais.
As músicas, a encenação, o figurino são de uma contemporaneidade que, apesar do aparente contraste com a época da trama (algo em torno dos quinhentos/seiscentos), trazem os impasses de Jacinta para a nossa inquietação de hoje: é preciso ser forte e não desistir do sonho.
O elenco masculino, formado por Augusto Madeira, Gllray Coutinho, Isio Ghelman, José Mauro Brant e Rodrigo França, é altamente equilibrado, todos fazendo diversos papéis, enquanto Andrea desenvolve as diversas situações em que Jacinta faz atuações tão sofríveis que mata a rainha, levam-na ao desterro e ao desprezo de seus pares.
Essa característica rara de se ver uma das maiores atrizes brasileiras, Andrea Beltrão, aparecer como a pior atriz do mundo é que nos leva a ter certeza de que, nem sempre, o pior é o pior, mas, ao contrário, é melhor. Vale mais do que a pena ver a melhor, Andrea Beltrão, fazer a pior Jacinta
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SERVIÇO:
Jacinta
Comédia-rock de Newton Moreno, Aderbal Freire-Filho e Branco Mello, a partir de peça de Newton Moreno
Teatro Poeira – Botafogo
Horários: Quinta a sábado, 21h; domingo, 20h