Hoje, aos 72 anos (parece incrível!), já posso sentir a diferença de meu Rio da primeira juventude, o da segunda e o atual. São mundos, planetas bem diferentes! Recordo-me ainda da praia de Copacabana (onde nasci) com a estreita avenida de mão dupla, ouvindo assustada do meu quarto, no Edifício Achcar (ainda existe!), as ondas do mar em ressaca, batendo furiosas contra o paredão de pedra, antecipando o protesto contra a rejeição de que seria alvo mais tarde, obrigado a recuar empurrado pela mão do homem.
A tranquilidade das brincadeiras noturnas em segurança, na calçada em frente à portaria do prédio; as corridas de patins, ou bicicleta, pelo meio da rua na Ayres Saldanha; o escândalo de algum “crime”, que ocupava durante meses as páginas dos jornais. Pouco mais tarde, adolescente morando na Lagoa Rodrigo de Freitas, colhia os tamarindos azedinhos nas árvores frondosas das ilhas entre as pistas, e ainda podia sair da Hípica montada na égua Duquesa, deixando-a amarrada no tronco de algum Flamboyant, enquanto almoçava em casa.
As favelas como lugar pitoresco (“… as bandeiras agitadas, num estranho festival…”), onde aos 15 anos podia entrar sozinha para ministrar aula de catecismo às crianças bagunceiras e alegres. Havia um brilho de felicidade no ar…! A preocupação com a segurança (limitava-se a algum furto feito por algum empregado doméstico com referências duvidosas) era apenas fechar o portão branco de madeira do jardim para não balançar com o vento sempre mais forte na beira da lagoa.
As praias de águas cristalinas serviam de palco para as jovens e rapazes que desfilavam vaidosos, lançando novas modas e costumes, buscando parceiros para um flerte; o passeio de carro nas Avenidas Atlântica e Vieira Souto, ou um mais audacioso, subindo pela Niemeyer até o “Bar Bem” com o pretexto de comer um milho assado; os bondes e lotações apinhados na hora do “rush” levavam-nos em segurança a qualquer lugar. Ver um pobre pedindo esmola pelas ruas provocava um aperto no coração, e criança então, nem pensar!
Havia o orgulho de ser carioca, de rir, sambar e cantar as tristezas (quais…?) lançando a “bossa-nova” e o “saltinho carioca” nas sandálias de verão. Era possível desfrutar a beleza natural (de graça!), de qualquer ponto da cidade: Vista Chinesa, Mirante Dona Marta, Paineiras, ou mesmo namorar assistindo à ‘corrida de submarinos’ entre as espumas do Arpoador.
Cidade Princesa incomparável a qualquer outra no mundo, cantada em prosas e versos, símbolo de sonhos e prazer no Exterior! A alegria era uma constante entre pobres e ricos que se misturavam sem preconceitos. Éramos todos “cariocas”!
Na UNE, começavam os primeiros protestos contra a política vigente e, para nos identificar, usávamos na blusa um pequeno emblema de fita verde e amarela preso por um alfinetinho. Daqui partiam todos os movimentos inovadores em qualquer área para o Brasil e, muitas vezes, para o mundo… Afinal, éramos a Capital Federal! E, de um momento para o outro, deixamos de ser! Deixamos de ser também a Guanabara!
Na ditadura, ceifadas as cabeças dos intelectuais e artistas dos bares de Ipanema, nos encolhemos temerosos. Perdemos a personalidade sem perceber, permitindo que viesse, do longínquo Sul, o populismo nos “desgovernar”. E ali ficamos boiando à deriva, entre as ondas do mar escurecido e opaco pelo lixo acumulado. Alguns foram inevitavelmente tragados pelas águas poluídas…
Humilhados, perdemos o nosso lugar, a nossa personalidade, a nossa beleza, a alegria e o carisma; envergonhados, nos drogamos em frente à TV, ou nos becos sombrios e malcheirosos, cedendo espaço à miséria e à violência durante décadas… Prisioneiros em nossas casas.
Mas, finalmente surge uma luz de esperança, que começa a iluminar lentamente os corações cariocas. Por que não aproveitar (o que nos sobrou da destruição), as belezas naturais e forjar uma nova personalidade? Quem sabe nos dedicamos maciçamente ao turismo (fonte de renda de tantos países menos privilegiados que o nosso), investindo na hotelaria ao invés de massacrá-la (com impostos impossíveis de saldar com os quartos vazios), indústrias não poluentes, mercado financeiro internacional, no lazer, no jogo (por que não?), eventos esportivos, musicais, culturais e ecológicos. Essa é e sempre será a nossa vocação natural.
Por que não aproveitar o material humano, jogado pelas ruas como lixo, com escolas rurais e profissionalizantes, dando uma oportunidade aos que sem chance no momento gostariam de se salvar?
Quem sabe com incentivos às pequenas indústrias e aos microempresários, para que os aproveitem, encarregando-se desse ensino básico? Utopia? Fomos muito facilmente reduzidos ao nada, totalmente corroídos pela corrupção! Através da ignorância da massa faminta, invertemos os valores, colocando ladrões e criminosos no poder, enquanto os professores e os médicos morrem de fome. Senhor Prefeito, Senhor Governador, ponham a mão na consciência. Salvem-nos!
Sabemos das dificuldades com esse transatlântico indo a pique, desgovernado há tanto tempo. De todos os cantos, ouvem-se os gritos dos afogados clamando por socorro; são muitas as vozes e as lágrimas… Dê-nos a chance de morrer de cabeça erguida, ou devolva-nos a oportunidade de viver com a autoestima, o amor próprio de “ser alguém”!
Qual seria a nossa vocação já que perdemos a de Capital Federal? Industrial? Agrícola? Tenho um amigo em São Paulo que fez a ‘Fábrica de Gente’, uma pequena metalúrgica onde empregou, ensinando e educando com amor, mais de dois mil garotos de rua, devolvendo-os à sociedade.
Uma aluna minha ainda muito jovem, em seu restaurante em Petrópolis, também ousou ensinar com amor, a mais de vinte garotos que dormiam pelas ruas o ofício de garçom, cozinheiro e bar-man… Formou até um grande pizzaiolo! E tantos outros mais que fazem seus pequenos grandes milagres que seriam impossíveis de enumerar. Quem sabe outros mais, se incentivados, o fariam de boa vontade! Vamos reverter essa situação e devolver a esperança ao nosso povo.
Nada é impossível. Não vamos acreditar nos céticos que transformam dificuldades em impossibilidades. É preciso recordar que, de uma hora para outra, o comunismo acabou na Rússia, o muro de Berlim caiu, e a nossa voz ficou tão alta, que nos comunicamos de nossa casa com o outro lado do mundo através da Internet (que nos tornou um só!).
Milagres, Senhor Prefeito ou Senhor Governador, milagres que fazem parte do nosso cotidiano: basta querer, acreditar e agir! Estamos na era do Marketing; vamos fazer campanhas mobilizando a todos, numa operação de “Resgate ao Amor”, porque essa é a energia que nos falta no momento. Quando a doença chega ao ponto de rejeitar a medicação, só o milagre do amor pode salvar!