O Midrash Centro Cultural homenageou Aracy de Carvalho, a segunda mulher do grande escritor Guimarães Rosa, que, junto à alemã Margarethe Bertel, salvou inúmeras famílias judias durante a Segunda Guerra Mundial, como funcionária do Consulado brasileiro em Hamburgo, na Alemanha. Esse foi um dos assuntos comentados pela historiadora brasileira Mônica Schpun, pesquisadora do Centre de Recherches sur le Brésil Contemporain (CRBC), da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), em Paris, onde vive atualmente.
Mônica é a autora de “Justa”, livro que revela a emocionante e pouco conhecida história, que uniu Margarethe e Aracy. As duas criaram uma rede de solidariedade e construíram uma rota de fuga para judeus da Alemanha rumo ao Brasil, que funcionou durante vários anos. A partir daí, tornaram-se amigas para o resto da vida. “A história delas tem coincidências incríveis: ambas nasceram em 1902 e morreram em 2011, sendo que Aracy, apenas dez dias depois de Margarethe”, diz Mônica.
A luta discreta de Aracy foi tão importante que ela recebeu do Governo de Israel o título de “Justa Entre as Nações”, concedido a não judeus que arriscaram a vida durante o Holocausto, para salvar judeus do extermínio pelo nazismo. Tudo começou quando Aracy, com um filho, se desquitou do primeiro marido, aos 26 anos, em São Paulo. Para se afastar do preconceito que uma mulher em sua condição sofria no Brasil, ela partiu para Hamburgo, onde morava uma parenta. Como falava quatro idiomas, conseguiu emprego no Consulado brasileiro, como chefe do setor de passaportes. “Em alguns momentos, ela furou uma ou outra regra e usou a margem de manobra que tinha para ajudar, sem qualquer interesse pessoal. Nisso, ela se distinguiu”, explicou Mônica.
Foi aí que conheceu conheceu Guimarães Rosa, no início da carreira diplomática, como cônsul-adjunto, a quem ele posteriormente lhe dedicaria sua grande obra, Grande Sertão: Veredas. Segundo a pesquisadora, não há nada que indique a colaboração de Rosa nas manobras de Aracy: “O mérito é todo dela, que foi a heroína, usando os recursos que tinha para ajudar os perseguidos, arriscando sua pele num momento extremo, em que a maioria das pessoas afrouxa suas convicções.”