Além de tudo que é dito, pensado, publicado e lido, há algo de novo na Rocinha: os moradores da favela que têm – como dizer? – uma certa queda para promover pequenas desavenças, atritos, perversões, ou seja, essas violências “miúdas”, se sentiam temerosos com seus atos porque sabiam da possibilidade de ter que prestar contas diretas ou indiretas a amigos dos traficantes, a conhecidos dos traficantes, a parentes dos traficantes, e qualquer história poderia chegar aos próprios traficantes. Sendo assim, jamais contariam com a impunidade, isso é sabido.
Numa comunidade dessas, todo mundo tem algum tipo de laço (ainda que distante) com os homens do tráfico, seja por morar próximo, seja por conhecer alguém da família, seja por ter sido colega na infância. Todos temiam, e evitavam algumas atitudes, como pequenos roubos e furtos, assaltos (agora são registrados). Antes, não acontecia esse tipo de coisa por razões conhecidas, o que trazia “ordem” à favela.
Desde a ocupação da Rocinha em novembro de 2011, esses pequenos problemas passam despercebidos para a polícia. Há quem ache que os policiais, sempre que podem, preferem fazer vista grossa por terem coisas mais importantes a resolver. Mesmo com a presença da PM, inúmeros moradores vivem inseguros. Alguns têm temor quanto aos próximos anos, e uma coisa parece comum a todos: medo de falar e, de alguma maneira, se danar no futuro – o que, nas entrelinhas, pode ser interpretado como ainda não estarem absolutamente certos de que a Rocinha está definitivamente nas mãos da Secretaria de Segurança, de José Mariano Beltrame.
“E se mudar o governo?”, pergunta um morador. “Não bota meu nome aí, não, porque posso ter que prestar contas amanhã”, diz outro. O fato é que nenhum dos entrevistados quer seu nome publicado, dando a impressão de carregar dentro de si a sensação de viver sob ordens e de que a lei do tráfico não acabou de vez, ou que ainda pode voltar – como se essa nova forma de vida pudesse não perdurar e, aí, os traficantes pudessem se vingar!
Apesar disso, para muitos, a satisfação é grande: “Acabaram os tiros, acabaram os homens do tráfico armados na luz do dia, acabaram os jogos e o consumo de drogas nas ruas, acabaram os tiros que eram ouvidos de vez em quando; isso não tem preço”, diz uma depiladora que trabalha num salão num shopping da Zona Sul. Outra funcionária, manicure, não hesita em afirmar: “Estou adorando minha nova vida, na Rua 2, onde moro; até o barulho diminuiu. Tudo tem regras, acabaram as grandes violências e as grandes bagunças. As pequenas, de que estão se queixando, ficam mais fáceis de serem suportadas e resolvidas”.