Mais ou menos uma vez por ano (quase sempre dia 1 ou 2 de janeiro) chegava à fazenda, “o retratista”, para fotografar minha família. Junto trazia uns dias de fantasia: eu e meus irmãos nos arrumávamos tanto, que nos transformávamos exatamente naquilo que não éramos. Perdíamos o nosso – como dizer? – ar meio rústico, nossa autenticidade, e talvez fosse isso o melhor que tínhamos. Me vestia como gente da cidade, roupas modernas, jóias, sapatos, que quase sempre me faziam doer os pés. Bem ao contrário das galochinhas e das botas do dia-a-dia, tão confortáveis. Junto, sumia também parte da naturalidade. E isso não era captado pela câmera; pelo menos, não aos olhares dos estranhos, que elogiavam sempre! Ou nem em elogio de gente rural dá muito pra confiar? Aquele figurino sofisticado não era o nosso, e eu nunca achava que viria a ser. Apesar de, no fundo, esperar pela vida na cidade grande. Mas, muitas vezes, não me via ali. Aquela era eu? Em mim existiam duas pessoas?
O fotógrafo partia deixando a angústia pelo seu retorno. A ansiedade era enorme e sempre me via perguntando à minha mãe: “Quantas noites eu preciso dormir até ele voltar?” Pegava o número equivalente em pedrinhas e sempre ao acordar, me livrava de uma delas. Até ser descoberta, e de novo me perder nas contas, sob o argumento “quarto não era lugar para guardar pedras”.
Contava cada semana à espera do fotógrafo. Quando ele chegava eu e meus irmãos voávamos em cima da sua bagagem, querendo nossas fotos. Num desses dias, ao ver meu pai negociando o preço, senti quase uma revolta: julgava que aquele trabalho tinha valores muito maiores do que qualquer dinheiro poderia pagar; por mais que fosse cobrado, ainda seria pouco. Peguei algumas moedas e tentei lhe dar, para mostrar minha enorme gratidão, ele não aceitou. E todos os adultos riram de mim. Meu pai, sem discutir mais nada, fez o cheque.
O capítulo seguinte eram os defeitos colocados em nós por minha mãe, ao olhar as fotos: “Fulaninha tem pé de homem, enorme; beltraninha saiu à família do pai, sem cintura; sicraninha é magra demais…” Tudo isso, sempre acompanhado de sua tradicional gargalhada. Mal sabia ela que existia no mundo mais civilizado uma coisa chamada Photoshop, tão distante de todos nós.
Nem ouvíamos o que minha mãe dizia. Não nos importávamos. Não enxergávamos nenhuma das suas críticas. Era como se ela só percebesse defeitos nos próprios filhos, ao vê-los ali no papel. Ao contrário do que pode parecer, essas cenas não eram maldosas ou pejorativas, de jeito nenhum. Eram apenas divertidas! Era um jeito que ela arrumava para fazer graça. Isso revelava um pouco de sua personalidade, mais rápido que o nosso principal personagem conseguia fazer com as fotos, tão demoradas.