Quando estreou, em 1998, a peça “Que Mistérios Tem Clarice”, além do seu talento como atriz – foi indicada ao Prêmio Shell – Rita Elmôr chamou a atenção pela sua grande semelhança física com Clarice Lispector. Nos anos seguintes, o que aconteceu com as fotos de divulgação da peça, em que Rita está caracterizada como a escritora, foi inacreditável: revistas de literatura, cadernos de cultura de jornais nacionais e internacionais e sites variados publicaram as imagens como se fossem da própria Clarice.
O que, a princípio, trouxe muito desconforto para Rita acabou gerando um “clique” e uma nova peça: a atriz misturou textos seus e da ucraniana naturalizada brasileira e criou um espetáculo, que segundo ela, é sobre a sensação de “desencaixe” – a peça “Clarice Lispector e eu – O mundo não é chato”, em cartaz até o final deste mês no Teatro Vanucci, no Shopping da Gávea.
Como se não bastasse conseguir levar para o palco toda a intensidade de Clarice – que tinha, também, um humor irônico – a atriz paulista também é ótima comediante. Elmôr fez o público dar muitas risadas com a personagem bêbada Venetta, do seriado “Macho Man”, como Anete, a chefe do seriado “Separação!?” e ainda, no cinema, na comédia “Até que a sorte nos separe”, 1 e 2. De inteligência e raciocínio rápidos, Rita é daquelas artistas que sabem se divertir com o próprio trabalho – definitivamente, no mundo de Rita a chatice não tem espaço.
Rita, como começou seu amor por Clarice Lispector? Quando montou a peça “Que Mistérios Tem Clarice” você já tinha um bom conhecimento dos livros dela?
“O amor começou na faculdade, aos 20 e poucos anos, minha primeira peça foi sobre ela, depois de ganhar um livro de presente. Tive a ideia assim que li os livros dela. Clarice organiza as nossas sensações nebulosas. Quando li, pensei: ‘essa sou eu’. Gosto de fazer trabalhos autorais, sempre tive vontade de dizer coisas. A literatura da Clarice tem uma atenção plena na vida, é uma sensibilidade sem filtro. Os acontecimentos ordinários se tornam extraordinários ao seu olhar. A literatura está aqui pra nos servir. Quero falar para todos, não é pra eruditos. Um momento importante pra mim foi quando lotei o Teatro Vanucci com um coral de moradores de rua – subiram no palco e cantaram”.
O fato da mídia nacional e até internacional confundir suas fotos com a Clarice real é um prazer ou um desprazer?
“Inicialmente foi estranho, mas os sentimentos foram mudando. Achei que fosse passar, como uma pequena confusão; mas aí foi crescendo. Tem essas fotos até em livros. Logo depois, uma das coisas que pensei foi que fiz um trabalho que tenho orgulho dele – a construção artística de uma atriz. O sentimento foi mudando, foi ficando melhor. Junto veio também a consciência de que temos de viver o presente. A vida misturou e eu misturei as nossas palavras no palco. Eu trouxe pro palco essa metáfora da vida”.
Por que essa opção de mostrar um lado mais solar da escritora em “Clarice Lispector e eu – o mundo não é chato? “
“Por que eu acho, vejo, sinto que a Clarice tem humor, mesmo quando densa. um humor sarcástico, ela consegue equilibrar humor e densidade”.
Você disse que o olhar político de Clarice está muito afinado com os acontecimentos sociais do momento. Já aconteceu de o público reagir de uma forma mais política à peça?
“Acho que tem uma indignação na Clarice. Ela disse que a maldade de um homem não pode ser entregue à maldade de outro homem. Até hoje estamos falando sobre isso, 40 anos depois. O olhar dela para as desigualdades sociais está muito atual”.
Além de muitas peças e novelas, você também é boa no humor – a bêbada Venetta, em “Macho Man”, era hilária. Como foi sua aproximação com o gênero?
“Minha aproximação com o humor foi por acaso, depois de fazer um teste para um seriado na Globo. Quem me apresentou esse lado foi o José Alvarenga. Tenho um olhar bem humorado para as coisas em geral. Quando comecei a ter oportunidade descobri que gostava de fazer humor, passou a ser fundamental pra mim. É como se o humor, pra muitos, estivesse num lugar inferior – e é bem o contrário disso, é necessário, é a reflexão”.
Você começou a carreira logo com um monólogo e também já fez outros dois solos, “Teresa D’Ávila, A Santa Descalça”e “Pai”, de Cristina Mutarelli. Você gosta de emoções fortes?
“Meus monólogos acabam sendo uma forma pessoal de me expressar como artista – me sinto em casa. Tudo é muito colaborativo, escolho em quem confio e admiro para trabalhar, ali está o espírito do coletivo – o tom é esse. Não me sinto sozinha de jeito nenhum”.
O que te levou a fazer pós em Filosofia?
“Gostei de ler filosofia, descobri que tinha uma pós na PUC – fui fazer por puro interesse de me aprofundar e fui mesmo me aprofundando, me libertando, por exemplo, de não precisar estar no rebanho”.
Qual a passagem inesquecível que você teve com essa peça?
“Ter conseguido com produção independente, queria muito fazer trabalho – é difícil manter uma peça em cartaz. O público vai, indica, vou encerrar no fim de abril, depois de nove meses – isso me dá muita alegria. Já fiz outras com patrocínio, que duraram apenas dois meses. Nesta peça, o público jovem me surpreendeu. Falo muito do desencaixe, o que pode atrair muita gente. Deve ser agradável, acessível e nos faz pensar”.