Marcos Caruso encenou até dia 19 de março, no Rio, o primeiro monólogo de sua carreira de mais de 40 anos, “O escândalo Philippe Dussaert”. A peça do francês Jacques Mougenot lotou durante sete meses o teatro da Maison de France e foi muito bem recebida pela crítica. Caruso ganhou o prêmio de Melhor Espetáculo do Prêmio do Humor, e, na categoria Melhor Ator, conquistou os prêmios Botequim Cultural e Cesgranrio. Mais coisa boa pode estar a caminho: o espetáculo também foi indicado nas categorias Produção e Ator Protagonista na 11ª edição do Prêmio APTR, que acontece dia 11 deste mês. O artista paulista está, agora, em turnê nacional, passando este fim de semana pelo Recife. More você em qualquer lugar do Brasil, fica atento, pode ser que ele chegue por aí!
Uma peça sua nunca ficou em cartaz menos que oito meses e até como dramaturgo ele tem sorte nos palcos: “Trair e coçar é só começar”, espetáculo escrito por ele em parceria com Jandiri Martini, está há 31 anos em cartaz. A maior parte do sucesso desse artista (de fato), que só começou a trabalhar em novelas da Globo em 2004, está na paixão escancarada pelo teatro. Que outro ator (como nome mais do que pronto) teria esse cuidado, atenção, delicadeza, generosidade com o público, a ponto de receber as pessoas na porta e conversar com elas antes do espetáculo?
Muito além de falar da arte contemporânea, a peça “O escândalo de Philippe Dussaert” fala da contemporaneidade, de como as palavras e a realidade podem ser manipuladas. Você acha que a maior parte da plateia percebe o alcance do texto?
“O sucesso da peça é por essa contemporaneidade. Talvez 10% dos que vão ao espetáculo se interessem por arte; outros vão por saber que é divertido, que tem uma surpresa no final – isso faz com que as pessoas fiquem curiosas. Vão, ainda, pelo humor, pelo divertimento, e o restante da plateia, pela contemporaneidade mesmo, aqueles que estão buscando também a reflexão. Querem ouvir sobre a vaidade, o discurso, a mentira, do valor que se dá ao vazio, do discurso que provoca, até onde a arte é capaz de atingir e da manipulação em todos os níveis. E, ainda, das informações, das promessas de políticos não cumpridas, distorções da imprensa, enfim, do cotidiano. Nesse sentido, a peça é contemporânea, fala também dos escândalos provocados por você mesmo”.
Na peça também se questiona o valor exagerado que pode ser dado a uma obra de arte ou a um objeto qualquer. Pelo que você paga ou pagaria milhões? E que lição ficou para você do ‘artista Philippe Dussaert’?
“Pagaria o que fosse por alguma coisa que atinja o meu coração, por um relógio, um quadro, um carro, seja o que for, para decorar a minha vida – tem que vir do coração. O que me cala fundo, podendo pagar, pagarei. É aquele artista que ‘falou’ com você. Certo dia, vi numa feira (de rua mesmo), em Milão, um cavalo pintado a mão. Perguntei quanto era, e o artista disse que custava 50 mil liras. Eu falei: ‘Só?’ – foi muito espontâneo. E ele disse: ‘Se o senhor quiser dar mais, eu aceito’. Existem também aqueles que compram livros a metro e pela cor da capa – apenas para ornamentar, para a estante ficar bonita. O pintor pinta pra vender; o artista é aquele que vende o que pinta (alguém me disse isso). A arte não se mede – é imensurável. Precisamos tomar cuidado pra que os arteiros não tomem o lugar dos artistas”.
Fazer um monólogo não dá um nervoso certos dias? Se dá um branco, não tem ninguém para te ajudar em cena, onde você se apoia?
“Não dá nervoso. Trabalhei com Vinicius Marins, e ele me disse: ‘O texto agora é teu, se vira sozinho’. É como um monólogo, um solo coletivo. Na medida em que eu falo com a plateia, não me sinto sozinho em cena. Uma hora antes de começar, já estou na porta do teatro, olhando nos olhos, falando, abraçando as pessoas. Ninguém mais olha nos olhos; isso até assusta inicialmente. Quero valorizar o outro, por isso entro em cena com muita energia, de alguma maneira, para quem eu conheço, pra quem eu já vi um pouco antes”.
Você já disse que o público de teatro no Rio nunca passa de 2% a 4% da população…
“É verdade. Já disse, e, há mais de quatro décadas, os números não mudam. Acho que as duas pontas são culpadas: tanto o governo quanto uma instituição, que não vê prioridade (ao contrário dos outros países). Temos uma política cultural negativa nesse sentido. A outra ponta somos nós, artistas, que, às vezes, baixamos o nível para um público que quer apenas rir – o teatro é mais que isso. Claro que tem espaço para peças ligeiras, mas temos de nos preocupar com o teatro mais sofisticado, que priorize mais a palavra do que a estética. Temos de manter essa resistência – eu contemplo ambas as coisas: quem vai rir e quem vai pensar”.
Você é autor do maior sucesso do teatro brasileiro, “Trair e Coçar é só Começar”, em cartaz há 31 anos, completados neste mês. O que o levou a começar a escrever? Como é sua parceria com a Jandira Martini, com quem escreveu a maioria das suas peças?
“Comecei a escrever por absoluta necessidade: a de pôr comida na mesa. Ali pelo quarto ou quinto mês como desempregado, pensei: ‘Vou escrever uma peça’. Sentei e escrevi em três dias; ficou seis anos na gaveta. Aí eu conheci a Jandira. Escrevi novela pra Bandeirantes. Logo depois, ‘Sua Excelência, o candidato’ foi premiada. Foi aí que perguntaram se eu tinha outro texto. Na hora, falei que sim, o ‘Trair e coçar…’ – daí, quando eu não precisava mais de dinheiro, ele veio”.
No seu currículo estão muitos personagens mais populares, como o Leleco Araújo, de “Avenida Brasil”, e o Seu Peru, da “Escolinha do Professor Raimundo”. É bom ter reconhecimento do público, ou, às vezes, bate a vontade de andar anônimo nas ruas?
“Eu vivi 30 anos sem aparecer na TV; só uma vez aqui, outra acolá. Eu me dedicava realmente ao teatro e tinha essa relação de observador: adoro ônibus, metrô, tudo que é coletivo. E adoro, exatamente, para observar. Depois que a pessoa fica conhecida, ela vira observada e não observadora, o que é um prejuízo – ainda bem que passei três décadas fazendo isso. Tenho pena desses que já começam na TV, com fama imediata. Depois disso, não quero me fechar no vidro do carro – as pessoas virem falar é muito prazeroso, sim, não incomoda nem um pouco, ao contrário”.
O que você está planejando com o mais novo imortal da ABL, o escritor Geraldo Carneiro?
“Ah, não conto! Planejando algo pra daqui a cinco anos. Vai ser uma parceria fenomenal. Tive uma ideia e joguei pra ele, que jogou pra mim, que joguei pra ele, mas ainda não vou falar. Mas é só pra 2019, 2020”.
Você é um homem de planos a longo prazo?
“Eu só vivo com objetivo. Talvez por isso, fique normalmente 4,5, 6, 7 meses em cartaz com uma peça. Quando começo a regar uma semente, já estou plantando outra lá embaixo. Sempre tenho muitos projetos”.
Você contou que perdeu a virgindade com sua primeira mulher, Jussara Freire, aos 20 anos. Existe a fantasia de que o meio artístico é um ambiente mais liberal. Já se sentiu deslocado entre colegas por causa do seu jeito de ser?
“Sou muito mais liberal do que você imagina. Estou solteiro pro que der e vier, e feliz da vida”.
Principal desejo para a sua vida….
“Sou muito feliz – tenho tudo: um pai vivo aos 94, dirigindo automóvel; acabei de ganhar todos os prêmios do teatro. Tenho planos para o futuro. O que mais quero é sempre ter curiosidade e indignação diante da vida”.